Resultados de uma etnografia empresarial

Em um mundo complexo e multifragmentado, em que um empreendedor (a) necessita responder e-mails, atender telefonemas, tirar fotos dos seus produtos, gravar vídeos com influenciadores digitais,  responder dúvidas no Facebook e no Instragram, ouvir áudios, repassar propagandas no Whatsapp e arrumar tempo para cuidar da sua família e afazeres pessoais, seria muita ingenuidade imaginar que um sujeito com essas responsabilidades e com a estranha mania de ser multitarefa, irá responder um questionário on-line ou off-line com atenção.

Em minha experiência de pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pude durante os anos de 2017 e 2018, conviver com aproximadamente 60 jovens empreendedores de 18 aos 40 anos das mais diversas origens, formações acadêmicas e motivações para empreender. Em meu trabalho cientifico, optei por uma pesquisa qualitativa com inspiração etnografia investigando os microempreendedores de vinte e três cidades gaúchas da Microrregião de Osório e de dez cidades sergipanas da Microrregião de Propriá.

Ao longo da cansativa e ao mesmo tempo instigante exploração cientifica, utilizei diversas técnicas qualitativas, como entrevistas, grupos de discussão e observação participante.  Durante toda a exploração, fiz diários de campo, tirei milhares de fotografias e gravei dezenas de vídeos e acredito que conheço mais da vida dos empreendedores do que achava que conhecia antes de 2017, quando iniciei a pesquisa pós-doutoral.

A oportunidade de conversar pessoalmente com esses jovens empreendedores e principalmente de observar suas práticas de gestão, me permitiu afirmar coisas que jamais faria em uma pesquisa quantitativa e nos próximos dois parágrafos vou tentar resumir o que encontrei.

O jovem microempreendedor individual, é motivado pelo desejo de mudar sua vida e de seus familiares, adentra no mundo empresarial sem muita noção do que vai encontrar e no geral não fez plano de negócio, não segue um planejamento organizacional, não leu a legislação que rege a figura do MEI, não entende de contabilidade e contou com auxílio financeiro de familiares ou amigos para iniciar sua operação. Esse sujeito, tem muita dedicação a sua empresa, mas não tem um propósito, missão, visão, valor, objetivos e metas definidos. Não tem indicadores mensais, não faz projeções do negócio, centraliza sua operação com receio de delegar tarefas e embora reconheça a importância da capacitação empresarial, não organiza suas prioridades para participar de cursos presenciais ou a distância, ou seja, ele não aproveita as centenas de canais de informação que auxiliam um empreendedor na gestão do seu negócio.  

Essas informações colhidas, só foram possíveis devido ao tempo de entrevista com cada jovem empreendedor, dos grupos de discussão realizados nos dois estados e principalmente da observação diária autorizada pelos microempreendedores, só assim, eu pude perceber que embora muitos digam na entrevista que passam seu tempo usando o celular para responder dúvidas e manter relacionamento com os seus clientes, na verdade passam boa parte do seu tempo mandando mensagens nas redes sociais para amigos e parentes, enquanto seus clientes esperam ansiosamente por atenção. Eu acabei descobrindo muitas outras coisas, mas contarei em outra oportunidade. 

Texto originalmente enviado para a revista Empreendedorismo editora ArtNer de Sergipe e  publicado em Dezembro de 2018  http://artner.com.br

Matheus Felizola

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